C'um raio...

19.01.2006 - 08h28
António Arnaldo Mesquita, :
Tânia Laranjo

A Portugal Telecom (PT) terá começado a processar as listagens dos telefonemas de Paulo Pedroso ainda antes de estes dados terem sido formalmente requeridos pelo Ministério Público (MP). A PT começou a elaborar a facturação detalhada dos telefones, a que foram anexadas as listagens referentes às mais altas figuras do Estado, um dia antes de receber o ofício emanado do inquérito ao caso Casa Pia.
A pesquisa terá decorrido entre os dias 13 e 19 de Maio de 2003, mas o oficio do MP, com o n.º 12.862, só foi remetido no dia 14. De acordo com dados detectados por técnicos de informática consultados pelo PÚBLICO, que analisaram os ficheiros informáticos do chamado "envelope nove", as folhas de cálculo do Excel começaram a ser criadas ainda na véspera. O ofício da procuradora Paula Soares, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), a solicitar elementos que abrangessem os telefonemas feitos por Pedroso antes do ano de 2001 só foi enviado para a Telecom no dia 14. Os ofícios anteriores, datados de meados de Abril e a que a PT havia feito referência no comunicado enviado a semana passada à imprensa, não dizem assim respeito a este período, incluindo listagens de outros números, como os de Carlos Cruz e Ferreira Diniz.O primeiro ficheiro em formato Excel foi assim criado no dia 13 de Maio, pelas 8h14, e inclui o rol das chamadas do ex-porta-voz do PS realizadas a partir do dia 12 de Dezembro de 1999. Os restantes 14, apenas referentes a Paulo Pedroso, foram organizados até 16 de Maio. Os outros cinco ficheiros incluem mais de 200 utilizadores de telefones fixos e neles sobressaem figuras como o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o próprio procurador-geral da República, e começaram a ser feitos no dia 16. O inventário destes dados sobre as altas individualidades do mundo da política e da justiça acabou no dia 19 de Maio, dois dias antes de Pedroso ser detido, sofrendo uma última alteração (condensação em zip) nos primeiros dias de Junho (respectivamente nos dias 5 e 6). Não está ainda esclarecido se esta alteração se ficou a dever a uma consulta ou à necessidade de comprimir os ficheiros mais pesados para serem gravados nas disquetes que não tinham capacidade para alojar arquivos, alguns dos quais excediam os três megabytes. Uma consulta aos autos atesta que as disquetes só foram entregues ao Ministério Público no dia 17 de Junho desse ano, tendo sido apensas ao processo no dia 26. As datas que não coincidemAs datas que constam das listagens do "envelope nove" são outro mistério por esclarecer. Os primeiros quinze ficheiros, que só dizem respeito a Paulo Pedroso, reportam-se a telefonemas entre finais de 1999 e Março de 2001. Depois, o segundo lote de cinco ficheiros, onde aparecem "escondidos" os nomes dos restantes utilizadores de telefones do Estado, situam-se entre 8 de Dezembro de 2001 e 5 de Maio de 2002. Tratava-se então de um período conturbado na vida do PS, já que coincidiu com a demissão de Guterres e a chegada de Durão Barroso ao Governo.Mas também por explicar está o facto de a PT ter então enviado, em resposta a um ofício que pedia dados anteriores a 2001, as listagens daquele período de tempo, imediatamente posterior. Contactada pelo PÚBLICO, fonte da PT recusou comentar os factos e remeteu para hoje a tomada de uma posição.Confrontado com estas discrepâncias, João Pedroso, irmão e advogado do ex-porta-voz do PS, que foi detido menos de dez dias depois da listagem das chamadas ter sido iniciada, fala em ocultação de provas. "O mais grave é que o Ministério Público, quando prendeu o meu irmão, já tinha elementos sobre o seu telefone. Sabiam portanto que nunca tinha havido qualquer contacto com os co-arguidos ou com as vítimas, mas ocultaram essa informação. Que, embora tenha sido analisada, não está documentada no processo".Entretanto, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) refere que "aguardará as conclusões do inquérito". Frisando a sua competência "para controlar e fiscalizar o cumprimento da lei" de protecção de dados pessoais", a CNPD lembra que "a utilização de dados no âmbito de um processo-crime" está sob a alçada do respectivo juiz, pelo que "apenas competirá à CNPD intervir se estiverem em causa somente ilícitos contra-ordenacionais".

Comentários

Doce Venenosa disse…
Os dados em suporte informático não tramaram apenas a PT e a Procuradoria. O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social enviou, anteontem à noite, para as redacções, um documento com alguma informação para antecipar a conferência de imprensa de ontem. Nesse documento, enviado por 'e-mail', com um simples clique podia-se ter acesso a informação que estava escondida por um filtro. Toda a informação que o Ministério revelou ontem e mais um quadro. Um quadro em que a informação para o PM, para a imprensa e a informação correcta não coincidiam. À primeira vista, parecia batota. O Governo estaria a desvalorizar as inspecções feitas pelo anterior Governo em 2004, para, assim, empolar os resultados conseguidos em 2005. Um contacto com o Ministério foi suficiente, no entanto, para perceber que havia apenas "um lapso material". A boa fé do Executivo também pôde comprovar-se verificando um documento tornado público em Abril de 2005 e em que os dados fornecidos à imprensa são iguais aos fornecidos ao primeiro-ministro e não estavam subavaliados. (pelo jornalsta Paulo Baldaia)
Doce Venenosa disse…
Os primeiros esclarecimentos públicos serão dados no Parlamento. Amanhã, o procurador-geral da República (PGR) explicará aos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias por que os registos telefónicos de altas figuras do Estado estão guardados no "envelope 9", anexado ao processo "Casa Pia". A audiência com o presidente da República ainda não estava marcada à hora de fecho desta edição, mas fontes do Ministério Público manifestaram, ao JN, a convicção de que Souto Moura poderá ir a Belém antes de ir à Assembleia.

O inquérito instaurado na sequência da notícia divulgada pelo "24 Horas" até poderá ainda não estar totalmente concluído amanhã à tarde, mas Souto Moura considera que as averiguações já estão suficientemente adiantadas para esclarecer as dúvidas dos deputados. Fonte do MP disse, ao JN, que a vertente criminal do inquérito é que poderá não estar ainda concluída, mas o PGR estará já na posse dos elementos que lhe permitem explicar o que se passou. Desde segunda-feira que a Procuradoria investiga como é que registos telefónicos de figuras do Estado, como o presidente da República e o próprio PGR, se encontram em disquetes juntas ao processo "Casa Pia". Sampaio pediu esclarecimentos num curto prazo e os partidos, especialmente o PS e o BE, também pediram celeridade na audiência, que chegou a estar marcada para terça-feira, mas o PGR adiou, por não possuir dados suficientes.

Juízes querem saber mais

Ao mesmo tempo que decorre a investigação da Procuradoria, desenvolvem-se também uma série de procedimentos ordenados pelos juízes que julgam este caso no sentido de apurar o que contêm as disquetes, quem as consultou e quem as copiou. Sabe-se que apenas Ricardo Sá Fernandes e Maria João Costa, advogados de Carlos Cruz e Ferreira Diniz, levaram as disquetes para casa.

Ana Peres solicitou a deslocação de um professor do Instituto Superior Técnico para verificar se as disquetes sofreram alguma alteração em função da sua consulta. Segundo José Pereira, técnico de Informática, é possível saber-se se foram introduzidos ou eliminados dados. Mas não é possível apurar que dados foram consultados, quando, nem por quem.

A facturação detalhada de várias figuras do Estado foi enviada pela PT, que alega ter ocultado essa informação com um filtro. O MP garante ter pedido apenas os registos telefónicos de Paulo Pedroso.

Comissão de dados espera conclusões

A Comissão Nacional de Protecção de dados (CNPD) aguarda o fim do inquérito instaurado pelo Ministério Público (MP) e garante que só intervirá se estiverem em causa ilícitos contra-ordenacionais. Fonte da CNPD disse, ao JN, que, no final do inquérito, o MP decidirá se está diante de um processo-crime e se existe algum ilícito contra-ordenacional. "Se estivermos perante um processo-crime, competirá ao MP intervir; se houver ilícito contra-ordenacional, cabe à Comissão".

Num comunicado enviado às redacções, a CNPD esclarece que os dados de tráfego de telecomunicações são dados pessoais, sendo da sua competência fiscalizar a sua protecção. Mas a utilização desses dados no âmbito de um processo penal "rege-se pela lei processual penal", cabendo ao juiz titular do processo a garantia dos direitos fundamentais, "incluindo o da protecção de dados pessoais".

(In JN)19/01/06

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